quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A menina e o piano(terceira parte)

- És uma chata, espera, dizia Ana mal-humorada continuando a ler e a comer o pão vagarosamente. Maria, sorrateiramente, deixou a prima sossegada e entrou em bicos dos pés no escritório. Sentada no banco do piano, colocou as mãozinhas nas teclas cor de marfim e convidou o seu amigo imaginário para se sentar ao lado e tocarem. Viajaram muito, tocaram em palácios e teatros, Maria era uma das mais famosas pianistas do mundo. -Acorda! Acorda! Sacudia-a a prima. - Anda brincar! -disse Ana que já tinha acabado de ler a banda desenhada. - Eu tive um sonho tão lindo! Queres ouvir? - Disse Maria esfregando os olhos. - Vem daí agora, vamos brincar para o quintal. Maria só gostava de brincar às casinhas, enquanto a prima adorava andar de bicicleta trepar as árvores, meter-se dentro do galinheiro e agarrar as galinhas e os pintos. E fazer festas no cão Baubi. Maria não alinhava nas brincadeiras da prima, era muito medrosa, era uma menina com medo de tudo. Mas a prima insistia: - Anda cá, eu ajudo-te a trepar à árvore. Estás a ver, não custa nada e assim temos o nosso cavalo. E cada uma na sua árvore fazia dela um cavalo. As primas adoravam-se, apesar de todas as diferenças que tinham uma da outra. Ana, sendo a mais velha é que dava as ordens e a pequena Maria obedecia, nem a prima permitiria o contrário. A casa do avô de Ana, naquela altura, era uma das poucas casas que tinha televisão. Tanto uma como outra adorava ver as pequenas séries que passavam na televisão, Lassie, Casei com uma feiticeira, mister Ed. Passavam momentos de grande diversão. Na hora das refeições, Ana preferia a comida da tia, avó de Maria, trocava o seu prato pelo da prima com bom agrado. Maria ficava sempre muito feliz com a troca. Quem não ficava muito contente com a troca era avó de Ana. Apesar da avó de Maria viver com a irmã faziam refeições e vidas separadas. E com um sorriso rasgado, a avó de Maria dizia à netinha: hoje saiu-te a sorte grande. Bife de vaca e batatas fritas não eram para o bolso dela. Ela trabalhava numa fábrica de vidro. Um dia, ao chegar a casa dos tios, Maria viu grande rebuliço, dois homens pegavam com dificuldade no piano para o carregar para um camião. Naquele fim-de-semana a Ana não tinha vindo. -O que se passa aqui avozinha? Perguntou Maria, assustada, ao ver o piano a ser carregado. O tio resolveu dar o piano ao neto Manuel, a tua prima não quer estudar piano. Disse ao avô que não queria ter mais aulas de piano. Como o Manuel desde sempre se mostrou interessado, o avô acabou por lhe dar o piano. -Satisfeita, menina curiosa? - E eu? Retorquiu a miúda. Eu gosto muito do piano, queria aprender a tocar piano como a Ana. O tio podia deixar o piano no escritório. Maria chorou muito ao ver o piano partir, mas o seu sonho não morreu ali, ninguém se importava com ela, mas não iria desistir de ser uma pianista famosa. Naquele fim-de-semana, não quis ficar em casa dos tios. Voltou para casa com uma profunda tristeza, escondeu da mãe o seu sofrimento, eles eram uma família pobre, e não podia inquietar a mãe com o seu sonho. Hoje, o piano enfeita a sala de estar dos pais do Manuel. Ele só queria ter o piano da prima. Havia uma rivalidade entre os primos. Os anos passaram, as duas primas tomaram rumos muito diferentes, sonhos se realizaram, sonhos adormeceram na alma. Maria mulher continua a sonhar. Fim

5 comentários:

Parapeito disse...

lindo o teu conto...cheio de nostalgia ...memórias que ficam coladas na pele...Ternura linda...brisas doces para ti amiga****

Nilson Barcelli disse...

Adorei o teu conto e a narrativa, que é magnífica.
E até meteste o cavalo que falava na história...

Nilson Barcelli disse...

Beijo, querida amiga.

Nilson Barcelli disse...

Voltei, mas nada mais puiblicaste.
Tem um bom fim de semana, querida amiga Isa.
Beijo.

Nilson Barcelli disse...

Tudo como dantes no quartel de Abrantes...
Não publiques este meu comentário, parece mal tanto comentário meu... eheheh...
Um beijo, querida Isa amiga.